quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Privatização do setor dos resíduos sólidos – Era uma vez….

Opinião|Privatização do setor dos resíduos sólidos – Era uma vez….
Hoje vou contar uma história, uma história sobre Resíduos Sólidos.
E porquê sobre Resíduos?
Porque,
a)     É um setor estratégico para o país, uma vez que prende-se com a saúde pública e com o ambiente;
b)     Porque tem sido um setor objeto de grandes alterações legislativas pela maioria que nos governa, no sentido da sua privatização.
É assim importante partilhar convosco as justificações que o nosso governo tem apresentado para as referidas alterações, bem como o impacto dessas alterações na vida das autarquias locais e na vida de cada um de nós em particular.
Para uma melhor perceção convém, fazer um simplista enquadramento histórico.
Ora,
A higiene urbana, entendida como a limpeza dos nossos espaços públicos, recolha do lixo, seu tratamento, faz parte integrante das atribuições e competências das Câmaras Municipais – um setor da esfera pública, portanto.
Os Municípios, reconhecendo vantagem na associação de meios para a execução das tarefas que materializam o exercício dessas competências e atribuições, juntaram-se e criaram um sistema intermunicipal. Depois o Estado Central – diga-se o governo à altura – entendeu alargar o âmbito de intervenção, criando a possibilidade da entrada de capitais privados, e por diploma legal. E neste sistema a que os municípios foram obrigados a aderir, ficaram repartidas as ações da sociedade comercial, entretanto, constituída, desta forma:
- 51%, para o Estado, através da Empresa Geral de Fomento (EGF);
- 49%, para os municípios. 
Acontece que o governo, de novo por diploma legal – quis vender as suas ações aos privados, não deixando os municípios comprarem essas ações – o que significa que passa este setor a ser dominado por uma empresa privada e pelas suas regras, as de mercado e onde o objetivo é o lucro.
Diferente, portanto, de uma gestão pública – onde o objetivo é servir o maior número de pessoas, com tarifas que estão longe, nalguns casos do custo do serviço que é prestado, mas por uma opção política consciente. Assim acontece com as opções da Câmara Municipal de Palmela, e outras do Distrito de Setúbal, onde o que se pretende é fixar tarifas que se aproximem das necessidades da população, e que sirvam de compensação em face da conjuntura de crise que se vive, consequência das opções políticas dos nossos governantes.
Estas alterações legislativas representam:
- Diminuição da segurança no trabalho;
- E uma ingerência na autonomia do poder local.
Depois outra das alterações legislativas prende-se com o reforço dos poderes da Entidade Reguladora (ERSAR). O governo, dotou agora esta entidade de poderes vinculativos.
O que significa isso, pergunta-se?
R: Significa que a entidade reguladora emitia recomendações aos municípios. Aconselhava sobre as tarifas fixadas pelas câmaras. Mas agora o governo, violando a Constituição da República Portuguesa, a qual estipula que as autarquias locais gozam de autonomia financeira (o que significa que as autarquias podem fixar livremente os seus preços, tarifas e taxas), vêm esse poder violado, restringido, quando a ERSAR passa a ter poderes para fixar tarifas e impor o seu cumprimento às Câmaras Municipais.
E QUAIS OS FUNDAMENTOS QUE O NOSSO MINISTRO DO AMBIENTE INVOCA PARA ESTAS ALTERAÇÕES:
a)     Para aumentar a qualidade do serviço;
b)     Para a sustentabilidade financeira do setor dos resíduos e do sistema multimunicipal;
c)     Para criar tarifas de valores mais uniformes, e igualar o valor pago no litoral com o valor pago no interior.
Perguntas que todos nós devemos fazer: Mas o serviço é melhor prestado se for por privados? Os seus trabalhadores são melhores que os trabalhadores do setor público? As empresas privadas e os seus trabalhadores têm a exclusividade da qualidade? Do bem-fazer?
R: Não, claro que não. Quanto a este argumento do governo, de que privatizamos porque só assim haverá qualidade, devemos responder que  se as autarquias não fazem melhor é porque existem constrangimentos fruto do desinvestimento público no setor, por parte do estado, e fruto das políticas do governo que impedem a contração de pessoal e a realização de despesa, o que dotaria as autarquias de maiores e melhores recursos para a execução do serviço.
Devemos dizer, ao Sr. Ministro, que a venda das ações do Estado aos privados tem subjacente outras razões que não a qualidade do serviço, e que a razão verdadeira é que o governo quis vender a privados um setor que dá lucro, sim dá lucro, porque se não desse lucro não existia interesse do grande capital na aquisição destas ações. O motivo subjacente à decisão do nosso governo é fazer dinheiro, à custa desse setor que cada um de nós ajuda a que seja lucrativo, para fazer face ao desbaratar de dinheiro, o que colocou o nosso país nesta vergonhosa situação de crise económica e financeira.
Quanto ao segundo argumento aduzido pelo governo para as alterações legislativas – é necessário privatizar para a sustentabilidade económico-financeira do sistema.
É mentira que este necessite de tais medidas para ser sustentável, porque ele com uma gestão só pública, ainda este ano, a AMARSUL – teve lucro.
Outro argumento que não podemos aceitar.
Quanto ao terceiro argumento – necessidade de dotar a entidade reguladora de poderes vinculativos para igualar as tarifas ao nível nacional, aproximando o interior do litoral. Mas o Ministro do Ambiente ainda vai mais longe, ao afirmar que as tarifas vão descer.
Dito assim, parece um argumento nobre. Todos somos portugueses. Não deve existir desigualdades entre interior e litoral do país.
Mas pergunta-se, já assistimos a alguma privatização de outros Setores do Estado ter dado lugar à baixa de preços, tarifas?
R: Respondemos que não. Basta pensar no que aconteceu com a privatização da EDP. A eletricidade baixou? Não. Com a GALP, o gaz baixou? Não. Então e agora com a privatização do Setor dos Resíduos as tarifas vão baixar? Não. A tarifa fixada pela Câmara de Palmela, por exemplo, é das mais baixas. O que pode vir a acontecer é as nossas subirem para baixar as tarifas do interior, e assim aproximarem-se os valores. E nós voltamos a fazer uma pergunta? Devemos pagar mais para que outros noutros pontos do país paguem menos?
Não. O governo tem outras medidas para tornar mais atrativo e competitivo o interior do pais, através das transferências do orçamento do estado, ao invés de estar a onerar cada um de nós para nivelar o interior e o litoral.
Consequências, para todos nós: A acrescer aos cortes salariais, nuns casos, ao não aumento do salário, noutros, à não progressão e promoção, à diminuição das comparticipações sociais do estado – tudo consequências das políticas dos nossos governantes nacionais-, passaremos a ter mais despesas com o aumento da tarifa de resíduos.
Por fim, as recentes alterações legislativas, vêm com uma novidade – introduzem a permissão da AMARSUL poder fazer também a recolha do lixo em baixa, ou seja, a possibilidade desta sociedade comandada maioritariamente por capitais privados efetuar a recolha em “baixa” e já não só o seu tratamento e recolha em “alta”.
Se tal acontecer, o que pretende o governo fazer a todos os trabalhadores do setor que trabalham nas autarquias, bem como aos trabalhadores dos sistemas multimunicipais com uma gestão maioritariamente privada?
Esta, uma questão para refletirmos em conjunto. Contudo, de antemão sabemos que segurança no trabalha é posta em causa – Atendendo que uma gestão privada visa em primeira mão o lucro, e muitos trabalhadores já viram os seus postos de trabalho em causa desde o início deste procedimento de privatização do setor dos resíduos.
Termino fazendo um apelo e uma citação, para final de história.
Um Apelo aos trabalhadores deste setor -, temos razões para continuarmos a lutar, mesmo em face dos constrangimentos conhecidos, e continuaremos a recorrer a todos os meios, incluindo os judiciais, para fazer travar ou melhor inverter o procedimento de privatização, pois convosco estamos solidários.
E porque “Privatizar” é a palavra de ordem do nosso governo, “a cura para todos os males”, mesmo que isso represente a alienação de um setor que é estratégico para a nossa economia, permitam-me terminar esta triste história da privatização do setor dos resíduos e do seu “enviesado” procedimento, citando Saramago: Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo.”. Fim de citação. 
Artigo de opinião de Fernanda Pésinho, Dirigente nacional de “Os Verdes” e Vereadora na Câmara Municipal de Palmela, publicado aqui

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Um orçamento que visa habituar as pessoas ao empobrecimento!

Opinião|Um orçamento que visa habituar as pessoas ao empobrecimento!
Logo no início do seu mandato, o Primeiro Ministro afirmou que o ano de 2012 seria o ano de viragem. Não foi. Foi, de resto, um ano de enormíssimos sacrifícios para os portugueses, suportados numa austeridade que degradava a nossa economia e empobrecia milhares e milhares de pessoas. Na discussão do Orçamento de Estado para 2015, o mesmo Primeiro Ministro afirmou que este será agora o ano de viragem. Começa e acaba o mandato a prometer uma viragem que nunca chega, porque os anos correm, o disco vira, mas toca sempre, sempre o mesmo – a insistente opção pela dramática austeridade, pelo défice, por uma dívida insustentável e pela injusta repartição de riqueza, do início ao fim do mandato.
A promessa de 2015 como o ano de viragem, que geraria maior capacidade económica aos portugueses, é de tal forma vã que o Governo, em vez de acabar com a sobretaxa do IRS, inventa um crédito fiscal que, face às suas condicionantes, torna muito difícil a reposição de qualquer valor dessa sobretaxa aos portugueses.
A promessa é de tal modo falsa que a brutal carga fiscal continuará a assolar os portugueses, designadamente ao nível do IRS e do IVA, acrescida do aumento do IMI e também da fiscalidade laranja (permitam-me que recuse aqui usar o adjetivo verde, para um pacote fiscal que tem como primeiro objetivo sacar 165 milhões de euros brutos, em impostos e taxas, à população)!
Mas a promessa de viragem é, também, de tal forma ilusória que o salário mínimo nacional líquido não chegará aos 450 euros e as pensões mínimas não conhecerão acréscimos superiores a qualquer coisa como 2 euros mensais. Isto é o Governo PSD/CDS no seu melhor para ensaiar uma viragem na recuperação do rendimento das pessoas.
E a acrescentar a tudo isto, e a muito mais que aqui poderia ser exemplificado, o Primeiro Ministro veio anunciar que, ao contrário do que foi determinado pelo Tribunal Constitucional, tenciona fazer tudo o que puder para que os cortes salarias não sejam integralmente repostos em 2016, propondo que a reposição se faça a conta-gotas, querendo, portanto, afrontar o Tribunal Constitucional e também os portugueses que já têm a legítima expectativa de receber os seus salários na íntegra, pelo menos em 2016!
Alega o Primeiro Ministro que a crise ainda não acabou. Pois não! E com estas políticas não terá mesmo fim, porque o Governo vai cavando sistematicamente um buraco que impede qualquer lógica de robustez económica, bem como qualquer hipótese de diminuição das desigualdades que fragilizam este país para enfrentar quaisquer adversidades. E o Orçamento de Estado para 2015 cava mais esse buraco.
O Governo tenta sempre fazer crer que tudo isto é inevitável. Mas há sempre alternativas em política e só usa o argumento da inevitabilidade quem quer seguir cegamente o seu percurso. Por exemplo, em relação áquilo que o Governo chama de uma margem para descer impostos havia várias alternativas: uma era descer impostos que folgassem a vida das pessoas e que, por essa via, gerassem condições de dinamização do nosso mercado interno (para tanto podia-se optar por nos livrarmos do brutal aumento do IRS, que afunilou mais este país a partir de 2013, ou descer o IVA, de que as micro, pequenas e médias empresas muito beneficiariam em termos de mercado, designadamente o IVA da restauração cujo aumento liquidou demasiadas empresas do setor…). Mas a opção do Governo PSD/CDS, com o apoio do PS, foi descer a taxa do IRC, beneficiando, antes, os grandes grupos económicos e financeiros, mantendo, entretanto, todo o conjunto de benefícios fiscais de que estes gozam e que retira milhões ao erário público. O Governo e o PS baixam o IRC pelo segundo ano consecutivo e, para termos uma ideia do que está em causa, só a EDP, tendo em conta os resultados e os lucros que teve, pode beneficiar, num só ano, de 40 milhões de euros, com esta benesse.
E o que é mais revoltante é perceber este nítido serviço aos grandes interesses, ao mesmo tempo que se assiste ao corte que o Orçamento faz para os mais pobres (só em prestações sociais há um corte de 375 milhões de euros). Não admira, portanto, que relatórios, como os do INE ou da UNICEF nos digam, preto no branco, que a pobreza alastra, atingindo, de forma assustadora e desumana, tantas crianças, tantos idosos e tantas pessoas em idade ativa.
Este Orçamento volta a aumentar o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, claramente não visa retirar pessoas da pobreza, mas antes habituar o povo a uma dose de pobreza necessária para segurar os ricos banqueiros e acionistas de grandes empresas. Esta é a opção que a política à direita oferece ao país.
O PEV apresentará um pacote de alterações ao Orçamento de Estado, centradas sobretudo em 3 eixos: 1) no combate ao empobrecimento das pessoas; 2) na dinamização da nossa economia interna, com proveitos do ponto de vista social, ambiental e económico – através de uma produção e de um consumo mais localizados; 3) numa verdadeira fiscalidade verde que tome como objetivo exclusivo a alteração de comportamentos para garantir melhores padrões de sustentabilidade.
O apelo que fazemos, entretanto, é que o povo português não assista impávido e sereno à implementação de políticas maquiavélicas, mas que demonstre o seu descontentamento, que lute por alternativas políticas, por outras respostas de que o país precisa, que lute pela dignificação do povo português!
Heloísa Apolónia
Deputada na Assembleia da República
Grupo Parlamentar Partido Ecologista “Os Verdes”