terça-feira, 10 de março de 2015

Violência doméstica e políticas de austeridade

Opinião Violência doméstica e políticas de austeridade
Escrevo este artigo a propósito das comemorações de mais um Dia Internacional da Mulher (8 de Março). 
Neste mesmo dia do ano de 1857, as operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque entraram em greve, ocupando as instalações, para reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas. Estas operárias, que recebiam menos de um terço do salário dos homens, foram fechadas na fábrica onde, entretanto, se declarara um incêndio e cerca de 130 mulheres morreram queimadas. Na mesma data, de 1908, mais de 14 mil mulheres marcharam nas ruas de Nova Iorque reivindicando basicamente o mesmo que as operárias no ano de 1857, acrescentado o direito de voto. Numa conferência internacional de mulheres realizada na Dinamarca, em 1910, foi decidido, em homenagem àquelas mulheres, comemorar o 8 de Março como Dia Internacional da Mulher. Em 1975, as Nações Unidas decidiram, igualmente, comemorar esta data, com igual designação. 
Em 2015, as celebrações do 8 de Março em Portugal têm um relevo especial porque, para além das flagrantes desigualdades sociais a que continuam sujeitas, as mulheres têm sido alvo de uma crescente onda de violência, com destaque para a doméstica, a que há que pôr cobro.
Os números divulgados são assustadores, saliento estes:
– 40 mulheres portuguesas mortas por violência doméstica (o que representa uma média de 4 por mês);
– 73 Queixas apresentadas, em média, por dia, por violência doméstica. 
Nestes primeiros meses de 2015, estes números continuam em contínuo crescimento. Claro que não se pode compreender este fenómeno sem um olhar profundo sobre as suas causas. Cada um de nós poderá sempre referir exemplos que fogem à regra, mas a verdade é que a maior parte destes crimes está relacionada com a profunda crise económica e social que se vive no nosso país desde meados da última década e das “receitas” que nos têm sido impostas com o argumento de que não há alternativa para a superar.
Assim, em nome da crise, se têm tomado medidas que destroem postos de trabalho, retiram a dignidade a quem trabalha, permitem a prática de remunerações degradantes e horários incompatíveis com uma saudável vida familiar e social, reduzem ou acabam com apoios sociais, aumentam disparatadamente a carga fiscal de trabalhadores e pensionistas, põem em causa o normal funcionamento da escola pública, do serviço de saúde, da rede de transportes… 
Não espanta, pois, que em famílias a quem foi negado o direito ao trabalho, em que um dos membros, pelo menos, se vê na obrigação de emigrar, onde os rendimentos não chegam até ao fim do mês e as dívidas se acumulam, em que todos os dias o acompanhamento dos filhos se torna um pesadelo, porque não há horários para nada e as alternativas são caríssimas e onde, acima de tudo, não se observam saídas no horizonte, surjam conflitos familiares que levem a situações de desespero e terminem em violência, tendo, como principais vítimas, mulheres e crianças. 
São louváveis todas as iniciativas que tendam a proteger as mulheres e prestar-lhes apoio perante as várias formas de violência, mas enquanto não se inverterem as políticas que a alimentam, bem podemos formar Comissões ou produzir legislação para agravar a sua penalização, que de pouco valerá. 
É, por isso, necessário que tenhamos um Governo que se deixe de servilismos e seja capaz de adotar políticas anti austeridade, de desenvolvimento, de crescimento e de promoção do bem-estar social. Um Governo que assuma por inteiro as suas competências e responsabilidades e não remeta para as autarquias a discussão e o ónus de aplicação de mais ou menos umas décimas nas taxas de IMI e de IRS, como forma privilegiada de apoiar as famílias e, até (imagine-se) promover a natalidade, como temos assistido nos últimos tempos, por exemplo, no concelho de Setúbal. 
Com o atual, de maioria PSD/CDS, sabemos que não vamos lá. Com o PS, pelo que vimos dos anteriores Governos e após as recentes declarações para chinês ouvir, também não parece que cheguemos longe. As próximas eleições legislativas, a realizar já no próximo mês Setembro, serão uma boa ocasião para inverter este caminho. 
Entretanto, celebremos o Dia Internacional da Mulher (e não o Dia da Mulher, como alguns teimam em chamar, para lhe retirarem o sentido político ou para tirarem proveitos comerciais, designadamente na promoção de eventos que, pelo contrário, mais contribuem para degradar a imagem da mulher), conscientes de que a luta pelos direitos das mulheres é, acima de tudo, uma luta pelos Direitos Humanos e é, por isso, indissociável da luta de todos, homens e mulheres, por um futuro melhor, com igualdade e justiça Social. 
Viva o Dia Internacional da Mulher! 

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