sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Interpelação ao Governo sobre as Orientações do Governo para a política de transportes públicos, centrada no transporte ferroviário


As medidas que o Governo anunciou, na sequência do PEC e do OE, relativamente aos transportes públicos em geral e em particular para o transporte ferroviário, de que é expoente máximo, o Plano de Actividades da CP para 2011, vão deixar os portugueses, sobretudo os utentes regulares, a ver navios e a ver passar os comboios.

Abandono de promessas eleitorais no sector dos transportes, supressão de carreiras fluviais, supressão de comboios e horários; encerramento de linhas; suspensão de projectos, paragens de obras noutras linhas; retirada de alternativos; desmantelamento de serviços; despedimento de trabalhadores; aumento dos títulos transportes; aumento do passe social e, claro, privatizações. São estes os tristes ingredientes da receita que o Governo nos apresenta para o sector dos transportes públicos.

E os Portugueses hesitam entre atribuir uma medalha ao Senhor Ministro, ou passar a designa-lo como o Ministério dos Transportes Privados e Obras Públicas. De facto bem pode o Senhor Ministro reclamar a medalha, porque se estas medidas avançarem, estaremos diante do maior retrocesso civilizacional da nossa história, na área dos transportes.

Um retrocesso que vai ter impactos gravíssimos a todos os níveis, gerando desemprego, dificultando vida das pessoas (custo; tempo, mobilidade e acesso a serviços), agravando as assimetrias regionais do país, e com custos ambientais muitíssimo elevados.

Como se sabe, as emissões para a atmosfera de gases com efeito estufa, desde logo, o Dióxido de Carbono, encontram no sector dos transportes, um dos seus principais responsáveis.

Por isso, o combate às alterações climáticas, passa obrigatoriamente pela vontade firme de tomar medidas de fundo nesta área, dando primazia aos transportes colectivos, com vista a reduzir o número de veículos particulares e aos meios de transportes menos poluentes, tanto para passageiros como para mercadorias, como a ferrovia.

De acordo com dados do próprio Governo, 35% dos gases com efeito estufa que emitimos, têm a sua origem na queima de combustíveis fósseis por veículos com motores de combustão.

Acresce ainda que o sector dos transportes foi aquele que mais aumentou nos últimos anos em termos de emissão de gases. E com as medidas anunciadas, o Governo volta a contribuir para esse aumento.

Em termos absolutos, o transporte rodoviário em Portugal, produziu em 1990, qualquer coisa como 9 milhões de toneladas de CO2, e em 2008, passou para os 18 milhões de toneladas. Ou seja, em 18 anos, o transporte rodoviário duplicou a emissão de CO2.

Agora é só fazer as contas, pegamos nos valores das Taxas do Mercado de Emissões, e vemos quanto Portugal terá de pagar no futuro, por estas politicas que insistem no completo desinvestimento da ferrovia.

Mas para além destas medidas, só por si, muito negativas para os Portugueses e para o Pais, o seu alcance é ainda substancialmente maior, se tivermos em conta que elas se vêm somar ao abandono de decisões anteriores que fazem com que a nossa oferta em termos de transportes públicos, e sobretudo em transporte ferroviário, tenha vindo a piorar muito nos últimos anos, deixando regiões inteiras do país, desde logo, as zonas rurais e interiores, sem qualquer mobilidade.

E se o Governo dificulta o direito à mobilidade dessas pessoas, está a dificultar-lhes o acesso aos serviços públicos e veda-lhes dessa forma o acesso ao exercício de direitos fundamentais, como seja o direito a Saúde ou à Educação.

Basta olhar para a evolução da Rede Ferroviária, para se ter uma percepção dos resultados das políticas no sector. Dos 3608 Km da rede ferroviária existentes em 1988, a rede activa actual não chega a 2500 Km.

Com a suspensão para obras de troços como Covilhã-Guarda e Vendas Novas-Casa Branca e sem contar com linhas de bitola métrica nos afluentes do Rio Douro, a rede activa em Portugal no inicio de 2011 é de apenas 2460 Km. E mesmo assim o governo ainda acha que é muito e prepara-se para emagrecer ainda mais a rede ferroviária.

Está assim mais que justificado este agendamento do Partido Ecologista "Os Verdes", requerido logo que foram tornadas públicas as intenções do governo em relação aos transportes públicos, nomeadamente a ferrovia, para que o Ministro dos Transportes explicasse aos portugueses os motivos de tão absurdas medidas.

Absurdas, não só porque, vão contra os interesses e direitos dos cidadãos, como também vão contra as exigências económicas, sociais e ambientais do país, que justificariam medidas em sentido contrário. O sentido que permitisse criar as condições para estimular ainda mais as pessoas a recorrem aos transportes públicos. Mas o governo não está para aí virado. O Governo continua á espera do comboio na paragem do autocarro.

A nossa acentuada dependência energética do estrangeiro, que contribui fortemente para o défice, tão badalada pelo Governo para justificar o Programa Nacional de Barragens, advêm sobretudo do petróleo e os transportes têm um peso brutal nesse consumo. E é sabido que essas importações são em muito responsáveis pelo défice. Ora a implementação de uma política de transportes públicos, nomeadamente ferroviário, teria grandes vantagens para a redução de importação de petróleo, vantagens económicas, mas também ambientais.

São os próprios estudos que confirmam a maior eficiência energética e ambiental do modo ferroviário. A titulo de exemplo refira-se que o modo ferroviário em 2008, em termos de emissões de CO2 por Km, é quase 16 vezes mais eficiente do que o equivalente rodoviário.

Acresce ainda não ser muito aceitável que os dinheiros públicos estejam a ser gastos para comprar quotas de emissão, que mais não são do que multas disfarçadas, pelo não cumprimento dos compromissos assumidos em relação ao combate às alterações climáticas, em vez de ser gasto, na tomada de medidas para resolver o problema, investindo, por exemplo, nos transportes ferroviários.

Por outro lado, as alterações climáticas vão provocar, cada vez mais intempéries, e o transporte ferroviário, é o mais adequado e mais resistente para essas situações, veja-se o caso das regiões de Bragança ou Vila Real, que desde que deixaram de ter ligação ferroviária, com o encerramento da linha do Corgo, do Tua ou do Sabor, ficam simplesmente isoladas, com as intempéries de neve ou de gelo.

O combate ao despovoamento e às assimetrias regionais implica fixação das populações no interior. Assegurar a mobilidade através dos transportes públicos, é fundamental para essa fixação, nomeadamente através do transporte ferroviário.

Os Estudos provam que o transporte ferroviário contribui mais para a fixação da população do que as vias rápidas.

Mas há mais vantagens no transporte ferroviário: é mais económico na manutenção, que as estradas, mais seguro, mais confortável, se modernizado, e possui um grande potencial turismo, que pode dar um contributo fabuloso para o desenvolvimento das regiões do interior. Sendo Portugal rico em património ferroviário, bem podia o Governo fazer, o que os Espanhóis fizeram com as linhas métricas. Mas nem isso.

E se Midas transformava em ouro tudo o que tocava, o Governo português, transforma em sucata, todo o património ferroviário em que mexe. Ao abandono das infra-estruturas e da não modernização, de que é exemplo a Linha do Oeste, e neste caso, nem cabe o argumento da falta de pessoas que é, aliás, sempre evocado, visto tratar-se de uma região muito habitada, soma-se o encerramento em nome da segurança, como aconteceu no Tua, no Corgo ou no Tâmega.

O abandono do transporte ferroviário em Portugal contraria completamente a tendência dos outros países europeus. Segundo dados do próprio Governo, a Densidade da Rede Ferroviária Portuguesa situa-se nos 31 metros de linha por Km2, enquanto a média Europeia é de 47 metros. Enquanto a média da União Europeia é de 398 metros de linha por cada mil habitantes, em Portugal é apenas de 271 metros.

Portugal, que suplanta a média europeia nas auto-estradas, continua a divergir em termos ferroviários, e com os encerramentos previstos vai acentuar essa divergência. Haja dinheiro para comprar quotas de emissão.

E o mesmo se diga ao nível da evolução do tráfego de passageiros. A ferrovia em Portugal perdeu em menos de 20 anos, 43% de passageiros, enquanto todos os outros países da Europa conheceram aumentos substanciais, como o caso da Espanha que registou uma subida de passageiros na ferrovia, superior a 156%.

A tudo isto é ainda necessário somar, os horários que não são adequados às necessidades das populações e que muitas vezes provocam aumentos do tempo de deslocação. A não modernização dos comboios para criar mais conforto ou o sistema de bilhetes cada vez mais complexo e cada vez mais caros.

E tudo somado, leva-nos a concluir que de facto existe uma estratégia para colocar os utentes para fora dos comboios. Estratégia que certamente não está desligada das intenções privatizadoras para o sector, nem da defesa de interesse ligados às empresas de construção de estradas e transportadoras e às empresas de combustíveis.

Mas se assim é, seria bom que o Governo nos dissesse aqui hoje, nesta interpelação, se não está a governar a pensar no interesse público, se não está preocupado com as pessoas, se não o move as vantagens económicas, sociais e ambientais de uma politica de transportes sustentável, está a governar para quem? Que interesses está a proteger ou defender com estas politicas?

Se o Governo não está a Governar para os Portugueses, os Portugueses têm, no mínimo, o direito de saber para quem se está a Governar. Porque se o Governo está virado para outros interesses, que não o interesse público, é justo, é conveniente que o Governo diga aos portugueses, porque é o mínimo que se exige, que nos diga hoje, que interesses são esses que o governo está a proteger ou a defender.

Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
Assembleia da República, 26 de Janeiro de 2011

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