A ÁGUA É UM DIREITO
Garantir o direito à água significa claramente a recusa de entender a água como uma mercadoria, é ainda constatar que a água é um recurso natural, escasso, essencial à vida, imprescindível, e portanto, nunca poderá ser recusado a ninguém. A água é um direito, deve, por isso, ser gerida para garantir a sua preservação, acesso, e eficácia da sua distribuição.
A vontade de apropriação do recurso natural água, por parte dos privados, é uma realidade, desde logo porque deter a gestão deste recurso, essencial à vida é negócio garantido. Por outro lado, deter a gestão deste recurso é ganhar poderes soberanos e de controlo sobre um país, porque é ter instrumentos de decisão sobre o seu acesso e distribuição, com graves implicações, designadamente de ordem ambiental, social, económica e de gestão territorial. De referir ainda que a escassez deste recurso, ameaça ser e já o é em alguns locais do mundo, um dos potenciais factores de conflitos entre os Estados, sendo portanto inaceitável que um Estado prescinda de gerir este bem natural.
Não esqueçamos também que a privatização da água comporta ainda perigos de ordem ambiental, pois não se associa diretamente ao princípio ecologista de poupança da água, e sim à venda do produto gerido e obtenção de lucro. Grave também é o facto de em termos sociais, a privatização promover um aumento tarifário, que tende a condicionar o acesso à água à capacidade económica das famílias.
Em Portugal a vontade e a preparação do caminho para a privatização da água já conhece longa história, que se inicia em meados dos anos 90, com a criação legal dos sistemas multimunicipais. Naquela altura e alegando que o financiamento necessário para abastecimento e saneamento só seria assegurado no caso da constituição de sistemas multimunicipais, o Governo colocou as autarquias entre a espada e a parede, obrigando-as a integrar os sistemas, onde estas deteriam 49% e a Águas de Portugal 51%, garantindo-se desta forma a perda de controlo e decisão por parte das autarquias, dos sistemas em alta.
Ao mesmo tempo que fazia esta chantagem com os municípios, a Águas de Portugal financiava-se na banca, e nunca por via do Orçamento de Estado. Esta opção de financiamento, demonstrativa de uma desresponsabilização do Estado, obrigava os municípios a adquirir água a custos mais elevados (reflectindo não apenas custos de gestão, mas também custos de infraestruturas), que os municípios não podiam fazer reflectir na integra nas tarifas da água, o que veio a obrigar muitos deles, a entrar em incumprimento de pagamento, designadamente à Águas de Portugal. Aliado a todos estes factores, os vários Governos esvaziavam progressivamente as autarquias de recursos financeiros, através do incumprimento da Lei das Finanças Locais.
Ainda não assumido claramente pelo actual Governo, todos sabemos que esta privatização está em curso, através da intenção de mega fusão dos sistemas multimunicipais, que numa primeira fase, consistirá em fundir as 309 entidades gestoras de águas e as 308 entidades gestoras de águas residuais em quatro mega sistemas que cobrirão todo o país. Estes sistemas serão geridos pela Águas de Portugal, que definirá toda a política do sector, seguindo lógicas liberais, aumentando os lucros com clara diminuição de custos com investimentos, mesmo que tudo isto ponha em causa a qualidade do serviço prestado às populações.
Para a Península de Setúbal está previsto um mega sistema que cobrirá 88 concelhos, que compreendem o Vale do Côa até Santo André.
A segunda fase é entregar a exploração desses sistemas, concessionando a privados, o que significa atribuir-lhes o direito de decidir sobre o sector da água em função dos seus objectivos de mercado, logo uma privatização. Quem gere os sistemas, gere e condiciona a forma de fazer chegar o recurso água às pessoas, gere o seu acesso e gere o saneamento. Não esqueçamos também que estas concessões, a serem implementadas, irão durar décadas.
O Poder Local Democrático veio permitir democratizar e generalizar o acesso aos serviços públicos essenciais, nomeadamente a água e o saneamento. Foi prioritário nessa altura, hoje e será no futuro, com as autarquias portuguesas a lançarem-se numa enorme empreitada de levar água à casa de cada um de nós. O ataque que este Governo está a tentar executar é o de retirar esta gestão às autarquias, a quem mais sabe gerir o bem público e quem mais conhecimento e experiência técnica e local têm, junto das populações.
Considerando que a água e o saneamento são um direito humano fundamental, consagrado pelas Nações Unidas, e os serviços de água e saneamento constituem serviços públicos essenciais a que todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e localização geográfica devem ter acesso, motivo pelo qual se deve manter a sua gestão pública, assegurada por empresas de natureza pública e cuja actuação seja pautada por princípios de igualdade, justiça, solidariedade, coesão social e territorial e sustentabilidade ambiental;
Considerando que a entrega da gestão da água a privados é sem dúvida privatizar este recurso, porque gerir a água é dominar a forma de fazer chegar este recurso à população, é dominar os sistemas de abastecimento e saneamento, em suma, é ter o poder de decidir quem, como, onde e quando se tem acesso à água, logo, é deter o poder sobre o próprio recurso;
Considerando que existem vários exemplos a nível internacional que se demonstraram desastrosos ao longo dos anos e que levaram inclusivamente, em muitos casos, à renacionalização da água;
Assim, a Assembleia Municipal do Barreiro, tendo isso em conta, reunida no dia 25 de Junho de 2012, decide:
1 – Considerar que a água é um bem essencial à vida e um direito humano fundamental e que, como tal, não pode nem deve ser tratada como uma mercadoria ou um qualquer produto transacionável, sujeito às regras de mercado, nem sempre claras e apenas com o objectivo do lucro;
2 – Defender a gestão pública da água, e que os sistemas associados ao abastecimento e saneamento se mantenham na esfera pública;
3 – Exigir do Governo o efectivo cumprimento da Lei das Finanças Locais, por forma a dotar os municípios de meios para que estes possam cumprir com os seus objectivos de servir as populações, e de lhes prestar um serviço público de qualidade;
4 - Propor ao Governo para que crie linhas de crédito especiais, sem taxas de juro ou com taxas de juro bonificadas não contando para a capacidade de endividamento dos Municípios e criando, conjuntamente com instituições bancárias, incluindo o BEI, linhas de crédito destinadas ao financiamento de obras ligadas ao abastecimento de água às populações e à remodelação das redes de esgotos e de tratamento de efluentes.
5 – Por último, enviar a presente moção à Assembleia da República e a todos os Grupos Parlamentares.
A presente moção foi aprovada com os votos a favor da CDU, BE, e PS e com os votos contra do PSD.
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